As palavras e a maior declaração de amor


 

    As palavras projectam sentidos que conduzem os homens ao afeto, à amizade aos relacionamentos, mas também à violência, ao arrependimento e à separação. Nossas vidas são pautadas por palavras que exteriorizamos ao mundo na tentativa de o darmos algum significado. De onde surgimos não sabemos. Somos, diariamente, atormentados por ideias que tentam explicar as nossas origens. Religiões e filosofias invadem em alvoroço as nossas razões e digitam conceitos sobre os deuses, os paraísos, os infernos, os mundos das ideias, o nirvana, as iluminações e sobre as vidas depois da morte.

    Nos tempos antigos éramos escravos de um universo ordenado como queriam Aristóteles e os Estoicos, onde todos teríamos uma função e seríamos felizes se, ao encontrarmos esta função, a desempenhássemos nesta infinita máquina universal que todos fazemos parte. Uma vez mais, as palavras entraram em nossa razões sem permissão e moldaram nossa maneira de enxergar o mundo e tudo o que nele há. Nossas forças eram comidas pelos ideais da época e nossos sentimentos eram encarcerados em tumultos existenciais.

    Finalmente chegara o século das luzes (séc. XVIII); é aqui onde as nossas liberdades, por meio das palavras, foram defendidas por homens franceses como Jean-Jacques Rousseau, Voltaire e alguns ingleses como John Locke, cujo movimento denominaram de Iluminismo. E as palavras atormentavam razões que até então continuavam atormentadas; mas desta vez, as palavras inclinaram seus tormentos para os ditadores e absolutistas que aprisionavam nossas liberdades e as tomavam para si. As palavras, neste tempo, tornaram-se armas para aqueles que nunca tiveram a oportunidade de apropriarem-se de um prato para lamberem os molhos da liberdade sem medo do que pode acontecer, o que os fez gritar e soltar palavras sem temor daqueles que se declaravam reis do mundo.

    Desde aquele tempo, as palavras tornaram-se amigas e lutam até hoje para que todos nós tenhamos um pouco de liberdade. No século passado (séc. XX), as palavras encontraram a razão de um francês chamado Jean-Paul Sartre, cujas ideias espelhavam a luta pela liberdade que no século das luzes os franceses e os ingleses iluministas pregavam. As palavras usavam o intelecto de Sartre para dizerem que o homem é condenado à liberdade e que a existência precede a essência. 


 

    Na concepção geral, essência seria aquilo para o qual tínhamos que viver, ou seja, a finalidade de todos os homens, ao passo que a existência seria esta liberdade que todos temos de buscarmos a essência que nos foi predestinada a buscar. Por este sentido, Sartre fora levada pelas palavras para dizer o seguinte: o homem nascera sem nenhuma essência, sem nenhuma finalidade; a única coisa que o homem trouxe ao nascer é a sua liberdade, a liberdade de ele mesmo fazer a sua essência; a liberdade de ele mesmo escolher a finalidade para o qual quer investir; por isso a existência precede a essência, ou seja, primeiro a liberdade, depois o sentido. Primeiro o existir, depois a finalidade; e não o contrário.    

    Hoje as palavras penetraram os nossos sentimentos. A razão foram deixada de lado, por isso repetimos os mesmos pensadores, os mesmos filósofos. Nossas ideias actuais são, na verdade, inspiradas pelas ideias dos pensadores antigos. As palavras, que por muito tempo davam um maior realce à razão, decidiram agora erguer a bandeira dos sentimentos o mais alto possível. Este cenário sobre o esquecimento dos sentimentos já fora pronunciada por um homem alemão chamado Friedrich Nietzsche, quando dizia que Sócrates teria sido o homem que levara os pensadores a criarem a razão em detrimento dos sentimentos. Finalmente, as pronúncias deste alemão ganharam vida diante da decisão das palavras quererem ser justas e darem oportunidade aos sentimentos após a soberania da razão nos últimos séculos.

    Actualmente, os sentimentos ganharam força. Nunca se deu tanta atenção no amor, nos afetos e nos relacionamentos como hoje se dá. As palavras deram mesmo lugar aos sentimentos. Os pensadores que nos séculos passados falaram sobre os sentimentos são hoje lembrados com veemência. Para falar dos amor e dos afetos, as palavras recorrem hoje aos pensadores como o próprio Nietzsche e Baruch de Espinosa. Nietzsche, por meio das palavras, dizia que o verdadeiro amor é pelo real, insinuando que só amamos verdadeiramente, quando sentimos uma alegria por alguém ou por algo do jeito que ele é; amar o mundo do jeito que é; não amar só as qualidades do objecto amado, mas amar também seus defeitos, ou seja, amá-lo do jeito que é; amar seus defeitos e suas qualidades. 


 

    Espinosa, levado pelas palavras, dizia que a vida é feita de encontros; encontros que nos alegram e encontros que nos entristecem. Dizia também que a vida é como uma energia, sendo que os encontros que nos alegram, aumentam a potência desta energia; e os encontros que nos entristecem a diminuem. Quando nos encontramos com alguém que amamos, por exemplo, a energia que potencializa nossa alegria aumenta consideravelmente; e quando saboreamos uma comida que não gostamos, somos levados pela diminuição da potência desta energia que é a vida. A ideia de amor proposta por Espinosa é provavelmente a maior declaração de amor que já existiu neste mundo; e as palavras dirão que esta declaração de amor é poder olhar nos olhos de quem se ama e dizer: eu sinto uma alegria desigual pelo simples facto de você existir, pois a tua existência me faz enxergar o melhor da vida e faz com a minha energia de viver aumente. E isto me deixa feliz.

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