O que os grupos étnicos africanos acreditam sobre feitiço?

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    As crenças sobre feitiço e magia fazem parte da cultura de muitos povos africanos e exercem grande influência no meio das suas comunidades, sobretudo nas comunidades rurais. 

    Neste sentido, antes de falarmos sobre o feitiço e a bruxaria nestes grupos étnicos, vale entender, em primeiro, o conceito de crença.

    Uma crença pode ser concebida como a aceitação de uma ideia, teoria ou conspiração como verdadeira, mudando, de alguma forma, o entendimento da pessoa que a toma como verdade, ou ainda, a aceitação de algo misterioso, sem comprovação certificada.  

    É assim que a crença relacionada à existência de aspectos místicos se concebe como algo voluntário que um indivíduo ou um determinado grupo social decide seguir, isto dependendo do seu meio social ou das informações que lhe foi passado pelos seus antepassados.

    Nas culturas dos grupos étnicos africanos, as crenças referentes ao feitiço e à bruxaria se parecem semelhantes. Concebem o feitiço como um conjunto de elementos interligados que podem manipular ou influenciar a vida ou os acontecimentos. 

    Deve-se ainda dizer que, nestes povos, para a realização de uma magia, recorre-se também a elementos encontrados na natureza, como plantas ou animais.

    Importa realçar que quando a magia é referente a uma pessoa, usa-se durante o ritual de feitiço objectos que pertencem a esta pessoa. Estes objectos podem ser unhas, cabelos, roupas, fotografias ou outros objectos relacionados à pessoa.

 O feiticeiro

    Na cultura destes grupos étnicos, o feiticeiro é visto como um especialista da magia, cujas práticas revelam grande domínio no campo da feitiçaria. Através disso, o feiticeiro causa certo medo às pessoas que com ele se encontram, sendo motivo de conversa na comunidade. 

    É considerado como uma personalidade incomum e com grande poder de magia que quase sempre é exercida às ocultas. Na cultura Bantu, um indivíduo pode ser considerado feiticeiro, dependendo das suas características físicas ou mentais, do seu comportamento, dos seus hábitos, bem como das suas atitudes.

Pessoas que são facilmente enfeitiçadas

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Entre as pessoas consideradas “fracas” e que podem ser facilmente enfeitiçadas, estão:

  • Crianças

  • Pessoas com um olhar sanguinolento

  • Pessoas insaciáveis, solitárias e marginalizadas

  • Pessoas com doenças crónicas

  • Pessoas idosas, decrépitos

  • Mulheres que sofrem de hemorragias ou de menstruação irregular

  • Pessoas bem-sucedidos ou com sede de enriquecimento e fama

  • Homossexuais, estupradores, arrogantes e violentos

Feiticeiro x Bruxo

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    Vale dizer que estes grupos também distinguem o feiticeiro do bruxo. O feiticeiro é visto como um indivíduo dotado de certos poderes, cujas práticas remetem a vários fins, dependendo da necessidade individual ou colectiva; e o bruxo, embora também esteja dotado de poderes, suas práticas remetem, na maior parte das vezes, para fins mais cruéis.

    Deve-se esclarecer que nas sociedades modernas, os feiticeiros e os bruxos se vestem da mesma maneira que qualquer outra pessoa “normal” se veste. Os feiticeiros das zonas rurais, como vemos na imagem, são conhecidos por se vestirem de uma maneira muito diferente dos feiticeiros das comunidades modernas

O adivinho

 

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    Uma das personalidades de grande importância na magia Bantu é o adivinho, isto por possuir habilidades mágicas extremamente úteis e quase ilimitados, podendo observar todas as acções místicas ao ponto de interpretá-las, descobrir suas causas, suas motivações, prever consequências, bem como antever aspectos ligados à vida das pessoas.

    Para isto, o adivinho recorre a rituais e práticas como o Xinguilamento, cujo objectivo fundamenta-se na possibilidade de interpretar mensagens ocultas e comunicar-se com espíritos que queiram falar por intermédio do adivinho. 

    Durante as suas práticas mágicas, o adivinho mune-se ainda de objectos como anéis, braceletes, dentes de animais, peles de serpente, de leopardo ou de leão, máscaras e campainhas.

    Uma vez em transe, o adivinho recebe, do espírito ou da entidade mística que lhe fala, informações, orientações, normas ou previsões sobre a sociedade, sobre os acontecimentos, sobre uma situação específica ou sobre a vida de uma pessoa, com vistas a se descobrir o feiticeiro ou bruxo por trás dos problemas pelos quais uma pessoa ou uma família passa; de se evitar desgraças, problemas, ocorrências indesejadas; ou para se obter sorte e protecção.

 O curandeiro

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    Outra figura de grande importância na tradição destes povos é a figura do curandeiro, considerado como um conhecedor do feitiço; actua como médico tradicional, cujas acções destinam-se a tratar ou curar as consequências oriundas do feitiço. 

    É importante realçar que, na cultura destes grupos étnicos que constituem o actual território angolano, estes curandeiros são muitas vezes chamados de kimbandas ou kimbandeiros, que podem ser homens ou mulheres e que têm a função de curar doenças que, aos olhos normais[1] parecem incuráveis ou que provocam certo espanto e estranhamento.

    Deve-se sublinhar que o termo kimbanda é uma forma substantiva do verbo kubanda”, proveniente da língua nacional kimbundu, que significa “remendar”, “curar” ou “consertar” um rasgão.    

    Para o processo de cura, o kimbandeiro recorre a ervas e recursos que a natureza oferece, como folhas, raízes, sementes, banhos em água, em óleo de palma, em lama ou em terra. 

    Os curandeiros ou kimbandeiros se colocam, assim, a favor das vítimas da feitiçaria e bruxaria, pois estudam e buscam elementos da natureza com vistas a curá-los dos danos ou doenças de que sofrem.

Kimbanda x feiticeiro

    O kimbanda é visto como o indivíduo que recorre à medicina tradicional ou natural para seu ofício de cura às vítimas da bruxaria; e o feiticeiro é o mágico, o indivíduo muito temido por todos que manipula forças e poderes mágico para curar ou realizar certas actividades.

A Mayombola

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    Importa mencionar uma das mais importantes e antigas formas da magia africana, conhecida como mayombola, utilizada pelos primeiros povos do reino do Ndogo, em Angola.     

    Os primeiros registos do que se pode chamar mayombola foram descritas no século XVII, que retratam a existência de um feiticeiro entre os Ndongo, com o nome de Nganga-Mbungula, que atraia sua vítima apenas com o assobio, tornando-a sua escrava e propriedade, podendo, inclusive, vendê-la para outros. 

    Deve-se realçar que este tipo de magia era comumentemente usada para fins de cultivo, ou seja, a pessoa para quem se lançava a magia, era atraída e era tomada como escrava para trabalhar na lavoura durante a noite.

    Na Mayombola, a pessoa entra num estado de entorpecimento, de cansaço seguido de emagrecimento, isto devido ao esforço físico da sua alma que é escravizada para trabalhar na lavoura durante a noite. O indivíduo acordar pela manhã e sente-se cansado sem nenhum motivo.

    Podemos então conceber a mayombola como uma magia cujo propósito se justifica na pretensão de se atrair uma pessoa ao ponto de torná-la propriedade ou escrava pertencente a quem a atrai, isto com a ajuda de um feiticeiro.

    Resumidamente, Mayombola é o processo que permite a um indivíduo entrar em entorpecimento, passando da vida real para uma vida mística, irreal, de modo que sua alma seja acorrentada para exercer trabalhos místicos durante a noite.

O Ndoki

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    Além da mayombola, acredita-se na existência de uma entidade material denominada ndoki, cuja capacidade se justifica na capacidade de estar presente em toda a parte ao mesmo tempo.      

    Acredita-se que esta mesma entidade, por costume, revela-se como uma pessoa normal durante o dia, mas que durante a noite seu espírito se separa do corpo para a realização de cultos e práticas maléficas.    

    O Ndoki tem igualmente a capacidade de sujeitar as suas vítimas a trabalhos forçados, enquanto dormem, sem que que tenham consciência. E ao acordarem sentem dores musculares derivados do feitiço.

 

Por: David Lutango

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 Fontes:

Altuna, P. R. R. A. (2006). Cultura Tradicional Bantu. Portugal: Paulinas.

Sissimo, L. M. (2018). Análise da narratica de dois adolescentes angolanos acursados de feitiçaria. (Tese de Mestrado). Instituto das Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA).

Altuna, R. R. de A. (1985). Cultural tradicional banto. Luanda: Secretariado arquidiocesano de pastoral.

Dumbo, M. L. N. (2019). Criminalidade e género: homicídios praticados por mulheres em Angola. (Tese de Doutoramento). Universidade Católica Portuguesa. Faculdade de Ciências Humanas.

Sissimo, L. M. (2018). Análise da narratica de dois adolescentes angolanos acursados de feitiçaria. (Tese de Mestrado). Instituto das Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA).

Miguel, P. F. (1997). KIMBANDA. Guaritori e salute tra i bantu dell’Africa nera. Itália: Edistampa/Nuova Specie, Bari.

Montecúccolo, J. A. C. de. (1965). Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola (v. 2). Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar.

Milando, J. (2013). Desenvolvimento e resiliência social em África: Dinâmicas rurais de Cabinda-Angola. Luanda, Mayamba Editora; Imprensa Nacional de Angola.



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